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Jazz`eira





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Estilos do jazz

New Orleans

O primeiro estilo bem bem definido do jazz - e bem documentado por gravações originais - é aquele que se originou no final dos anos 10 e início dos anos 20 na cidade famosa por seus bares, saloons e bordéis. O jeito New Orleans de fazer jazz teve, como principais expoentes, pioneiros como King Oliver com sua Original Creole Jazz Band, Jelly Roll Morton e Sidney Bechet. No conjunto de King Oliver despontou Louis Armstrong. O estilo New Orleans não se limitou à cidade na qual nasceu: em particular, foi instalar-se também em Chicago e New York. O New Orleans pode ser considerado, em certa medida, "moderno" - diferentemente do blues arcaico, do dixieland, do ragtime, etc - porque nele já estão presentes os parâmetros fundamentais que guiam uma performance moderna de jazz: o swing, a seqüência de solos improvisados, os padrões de técnica instrumental e virtuosismo. A seção rítmica ainda se limita a um papel de acompanhante, com exceção do piano, que ocasionalmente já sola (principalmente se tocado por mestres como Earl Hines).

(V.A. Bezerra, 2001)

Swing

O swing ficou indelevelmente associado às grandes orquestras, e o período que vai aproximadamente de 1938 a 1943 ficou conhecido como era do swing. De fato, as mais célebres formações orquestrais do jazz atuaram na era do swing: Glenn Miller, Benny Goodman, Artie Shaw, Count Basie, Duke Ellington (embora a orquestra do Duke estivesse destinada a grandes vôos também em outros estilos). O swing conta com uma audiência vasta e fiel ainda hoje. Extrema qualidade técnica, perfeito acabamento formal, arranjos elegantes e caráter dançante eram as marcas do estilo, que nem por isso carecia de vigor, como provam as performances da possante máquina instrumental dirigida por Basie.

De qualquer modo, é fato que o swing não se notabilizou pelo experimentalismo ou pela ousadia. Existiam na época certas fórmulas muito bem testadas que, com maior ou menor flexibilidade, eram amplamente adotadas pelos músicos, arranjadores e bandleaders. Não por acaso, a frenética revolução do bebop viria como uma resposta ao swing.

Uma avaliação do swing, para ser justa, precisa considerar o seu mérito musical e também seu espírito conformista; mas também se deve atentar para dois aspectos. Primeiro, o fato de que o próprio nome do estilo seja também o nome de uma qualidade muito valorizada no jazz - independentemente do gênero - indica que existe ali algo de profundamente válido em termos jazzísticos. Em segundo lugar, o swing foi um celeiro de talentos. Muitos músicos que depois desenvolveriam estilos próprios e viriam mesmo a inaugurar novas correntes no jazz são oriundos das orquestras da era do swing.

(V.A. Bezerra, 2001


Bebop

Por volta de 1945, não se poderia imaginar um estilo mais diametralmente oposto ao espírito convencional e comercial do swing do que o bebop. O nome vem das onomatopéias pronunciadas pelos músicos imitando o fraseado frenético dos seus instrumentos. O bebop privilegia os pequenos conjuntos e os solistas de grande virtuosismo. Talvez o elemento que sofreu a maior modificação dentro da revolução bebop tenha sido o ritmo, com a proliferação de síncopas e de figuras rítmicas complexas. O fraseado é flexível, nervoso, anguloso, cheio de saltos que exigem uma técnica instrumental muito desenvolvida. Além dos fundadores Charlie Parker e Dizzy Gillespie, encontramos entre os expoentes do bebop os músicos que se enontravam regularmente no "Minton´s" do Harlem e na 52nd Street, como o pianista Thelonious Monk (apesar deste ter acabado por desenvolver um estilo muito pessoal), os bateristas Kenny Clarke e Max Roach e o guitarrista Charlie Christian; e também o vibrafonista Milt Jackson, o pianista Bud Powell e o trombonista Jay Jay Johnson.

(V.A. Bezerra, 2001)


Hard Bop

O Hard Bop pode ser entendido, sob certos aspectos, como um desenvolvimento e uma radicalização do bebop. Caracterizar e analisar este estilo não é tarefa simples - e por isso mesmo constitui um problema interessante - por duas razões. Primeiro, o Hard Bop nasce da ação de dois movimentos opostos, ambos a partir do bebop: um em direção a uma maior elaboração e complexidade, e outro em direção a uma certa simplificação. Em segundo lugar, o fato de ser um estilo que abrange um período de tempo relativamente longo, sofrendo transformações ao longo desse tempo, também contribui para dificultar a captação de seus traços fundamentais.

Consideremos primeiro a natureza ao mesmo tempo simples e complexa do Hard Bop. Por um lado, pode-se constatar que ele se vale de temas mais simples e com menos filigranas que o bebop, delineando linhas melódicas menos angulosas. (Os hardboppers freqüentemente interpretam composições próprias, reduzindo a presença do repertório standard.) Os músicos revelam uma certa influência de estilos como o soul e o rythm & blues, e o som ganha mais agressividade. Os acompanhamentos se valem às vezes de repetição de acordes e de células rítmicas em ostinato. Quando essas células são particularmente sincopadas, o jazz resultante é dito “funky”.

Já no aspecto da complexidade, existe uma preocupação maior com a arquitetura das composições. As estruturas passaram a ser mais complexas do que os blocos de 32 compassos sobre os quais os solistas tradicionalmente improvisavam. Mudanças de compasso e de andamento também se tornam mais comuns. A estrutura harmônica, ao se tornar mais econômica em decorrência da simplificação que se dá no plano rítmico, paradoxalmente abre caminho para uma riqueza maior, pois impõe menos restrições sobre os improvisos dos solistas, que podem exibir um maior arrojo tonal. O resultado é que o Hard Bop acaba incorporando aspectos do jazz dito modal (que se baseia mais nos acordes do que na melodia-tema, e permanece por um tempo maior em cada acorde). O papel dos instrumentos da seção rítmica também é redefinido: em particular, contrabaixo e bateria ganham maior liberdade e atingem a emancipação dentro do conjunto de jazz. Na verdade, no Hard Bop os instrumentos da seção rítmica freqüentemente assumem o primeiro plano.

Poderíamos dizer que o Hard Bop apresenta, em relação ao bebop, uma menor complexidade no sentido “microscópico”, isto é, no plano da melodia e do fraseado, e uma maior complexidade “macroscópica”, ou seja, no plano da estrutura composicional.

O segundo grande complicador para uma análise do Hard Bop - que dificulta a busca de uma coesão estética dentro desse estilo - é o fato de abarcar um período de quase 50 anos da história do jazz. Nesse tempo, certamente houve transformações - compare o jazz “funky” de Horace Silver com o jazz dos “young lions” oriundos das formações mais recentes dos Jazz Messengers, como Wynton Marsalis. O espectro de estilos individuais compreendido entre um extremo e outro é muito amplo. Porém, as transformações são suficientemente graduais para que se perceba uma certa continuidade histórica. Na verdade, pode-se dizer que a maior parte do jazz considerado hoje em dia como mainstream (isto é, excluindo estilos fortemente característicos como a fusion, o free jazz e o latin jazz), nada mais é que uma forma de Hard Bop.

Ocupam lugar de destaque no Hard Bop os conjuntos liderados pelo pianista Horace Silver e as várias formações dos Jazz Messengers de Art Blakey. Além de Silver e Blakey, destacam-se ainda os sax-tenoristas Sonny Rollins, Hank Mobley, Clifford Jordan e George Coleman, os trompetistas Clifford Brown, Art Farmer e Lee Morgan, os sax-altistas Cannonball Adderley e Jackie McLean, o pianista Wynton Kelly e o baterista Max Roach. No estilo mais soul ou funky, atingiram notoriedade, além de Horace Silver, os organistas Jimmy Smith e Jack McDuff. Entre os nomes mais modernos que reciclam o Hard Bop encontramos os trompetistas Roy Hargrove, Terence Blanchard e Wynton Marsalis, o sax-tenorista Branford Marsalis e o organista Joey DeFrancesco. O próprio John Coltrane também pertenceu a essa corrente durante um certo período de sua carreira (até por volta de 1957), porém logo desenvolveria uma linguagem totalmente pessoal, que em si mesma constitui um estilo. Também os veteranos Freddie Hubbard e Wayne Shorter, em seus momentos menos fusion (principalmente durante os anos 60), estiveram ligados ao Hard Bop.

(V.A. Bezerra, 2001)


Cool

O cool jazz nasce com o disco de Miles Davis, Birth of the Cool, de 1949, embora tenha no saxtenorista Lester Young um precursor. O cool representou uma reação mais cerebral e camerística à tórrida sintaxe do bebop. Entre os expoentes do cool jazz encontram-se Gerry Mulligan, com seu famoso quarteto sem piano, Stan Getz, Chet Baker e Lennie Tristano. Embora mais introspectivo e contido, seria equivocado generalizar e associar o cool jazz com uma espécie de jazz "frio", sem swing ou sem alma. Pode-se encontrar, nas gravações cool, ritmos ágeis, solos intensos e síncopas que nada deixam a dever ao bebop. É interessante notar que o mesmo Miles que fundou o cool jazz ainda iria impulsionar outras revoluções estéticas nas décadas que se seguiriam. O cool gerou um estilo derivado, o West Coast jazz.

(V.A. Bezerra, 2001)


West Coast

O baterista Shelly Manne costumava apresentar seus músicos assim: “No sax alto, Frank Strozier, de Memphis, Tenessee. Ao piano, Russ Freeman, de Chicago, Illinois. Nosso trompetista é Conte Candoli, de Mishawaka, Indiana. No contrabaixo, Monte Budwig, de Pender, Nebraska. E eu sou Shelly Manne, da cidade de Nova Iorque. Nós tocamos West Coast jazz”...

A blague de Manne, que também foi usada por Stan Getz (registrada no disco Line for Lyons, com Chet Baker), mostra que chamar um determinado estilo de “jazz da costa oeste” pouco ou nada tinha a ver com a localização geográfica. É verdade que no final dos anos 40 e nos anos 50 fazia-se muito jazz em Los Angeles, em particular por músicos que trabalhavam para os estúdios de Hollywood. Na melhor das hipóteses, portanto, a música que faziam deveria se chamar “Los Angeles Jazz”... Mas será que isso basta para definir um estilo musical? Parece muito pouco. Para caracterizar o West Coast jazz é preciso buscar algum outro elemento comum, mais profundo.

Deixando de lado a questão da propriedade ou impropriedade do nome, o que mais foi apontado para caracterizar o West Coast Jazz? Existem aqui alguns equívocos persistentes e algumas verdades. É verdade que se trata de um estilo de jazz que provém, em certa medida e em linhas muito gerais, do cool. Mas é falso que, como já foi afirmado por muitos o West Coast seja: (1) um “jazz de brancos” apenas; (2) um jazz sem swing; (3) um estilo coeso e bem definido. Para desarmar a primeira afirmação, basta lembrar de diversos músicos negros que atuaram no West Coast; a segunda afirmação cai por terra quando se observa que muitos tinham por inspiração o estilo vigoroso de mestres como Ben Webster, Coleman Hawkins, Dizzy Gillespie, Charlie Parker e Bud Powell; quanto à terceira, os estilos individuais abrangiam um espectro bastante variado, indo desde o quase cool até o quase free, passando pelas influências bebopistas e pelas experiências classicistas a la Third Stream.

O fato é que a melhor maneira de definir o West Coast acaba sendo mesmo a simples enumeração de seus expoentes, mais do que a aplicação de algum critério estético bem definido. As fileiras do West Coast incluíam, entre outros, os trompetistas Shorty Rogers e Conte Candoli, o contrabaixista Eddie Safranski, o baterista Shelly Manne e o saxofonista e clarinetista Jimmy Giuffre. Também se destaca o pianista Lennie Tristano, que se tornou cult - efetivamente um musician's musician (músico para os músicos) - com sua música sofisticada e experimental, que oscila entre o cool e o quase free
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(V.A. Bezerra, 2001)


Free Jazz

Com o free, o jazz incorporou conquistas estéticas da arte de vanguarda dos anos 60, como a música atonal e aleatória e o happening. O free jazz nasceu "oficialmente" com o famoso disco de 1960 (intitulado precisamente Free Jazz), onde se ouve o quarteto duplo liderado por Ornette Coleman (sax alto) e Eric Dolphy (clarinete-baixo), no qual participaram músicos importantes: Charlie Haden e Scott LaFaro aos contrabaixos, Don Cherry e Freddie Hubbard aos trompetes, Ed Blackwell e Billy Higgins nas baterias. Não obstante, podemos identificar precursores do gênero free, como Charles Mingus, com seu conjunto nos anos 50 e 60, John Coltrane nos anos 60 e principalmente Cecil Taylor, já em meados dos anos 50. (Na verdade, alguém poderia sustentar que Taylor é o verdadeiro "inventor" do free jazz.) No free jazz, a ênfase está na improvisação coletiva. Os músicos não estão presos a temas, nem a padrões de fraseado convencionais, nem à harmonia tonal; em vez disso, eles se valem de acordes e pequenas células combinadas de antemão para se coordenar entre si e se orientar dentro da textura sonora. Por ter uma estrutura extremanente livre e atonal, o free jazz é uma música que nem sempre se deixa escutar facilmente.

(V.A. Bezerra, 2001)


Fusion e Jazz-rock

Nascido na virada dos anos 60 para os 70, o jazz-rock acabaria por se tornar, nos anos 70 e 80, sob o nome de fusion, um gênero de enorme sucesso comercial, porém bastante controverso entre os apreciadores de jazz, especialmente entre os fãs mais apegados a uma concepção estrita de jazz.
O jazz-rock nasce com o álbum duplo de Miles Davis, de 1969, intitulado Bitches Brew. É verdade que podem ser encontrados alguns precursores do jazz-rock, dois ou três anos antes disso, como o grupo Free Spirits de Larry Coryell, o grupo do vibrafonista Gary Burton e também o Charles Lloyd Quartet (que incluía Keith Jarrett e Jack DeJohnette). Porém, o álbum duplo de Miles é a obra que cristaliza a revolução. Para essa gravação, Miles convocou um grupo numeroso de músicos que viriam a se tornar, quase todos, figuras de proa do jazz-rock dos anos 70 em diante, bem como líderes dos principais conjuntos desse estilo. Encontramos ali o guitarrista John McLaughlin, que iria formar a Mahavishnu Orchestra; o pianista Chick Corea, que iria liderar as diversas formações do Return to Forever; o tecladista Joe Zawinul, que iria fundar o célebre Weather Report; e diversos músicos do primeiro time, como o saxofonista Wayne Shorter, o organista Larry Young, o baixista Dave Holland, e o baterista Jack DeJohnette, entre outros. (O baterista Tony Williams, que havia tocado com Miles até In a Silent Way - o disco que é, estética e cronologicamente, um prelúdio a Bitches Brew - formaria o grupo Lifetime. O tecladista Herbie Hancock, que tocou antes e depois de Bitches Brew - mas não no próprio - formaria o Headhunters.)

O disco de Miles constitui uma experiência jazzística perfeitamente válida e plenamente realizada. Existe, porém, uma diferença muito grande entre o jazz-rock proposto por Miles e a música que se lhe seguiu, tentando trilhar o caminho por ele aberto. E aqui estamos falando não só de outros músicos, mas também do próprio Miles, que se encaminhou cada vez mais na direção do funk (embora o som de seu trompete tenha permanecido inconfundível). Nos anos 70, o jazz-rock (então já rebatizado como fusion) começou a efetuar um movimento de aproximação cada vez maior com o rock; depois, nos anos 80, com a música pop de caráter mais comercial. O som acústico cedeu quase que totalmente o lugar aos instrumentos eletrônicos. Em algum ponto desse percurso, o jazz-rock deixou de ser um terreno de experimentação radical e vital. Existem alguns indicadores estritamente musicais e perfeitamente objetivos dessa perda de identidade jazzística.

Primeiro, o swing jazzístico se perdeu, dando lugar a ritmos mais “quadrados” e óbvios. As síncopas, quando existem, são relativamente rudimentares. Segundo, fez-se tabula rasa da grande tradição do canto jazzístico. As atuações das vocalistas (e dos vocalistas) da fusion, com raríssimas exceções, são pífias. Todas as nuances na exposição de um tema, todos os matizes timbrísticos, todos os desenhos melódicos detalhados, toda a coerência na improvisação - tudo isso desapareceu. É difícil entender como alguns excelentes músicos da fusion, que anos antes haviam acompanhado grandes cantoras e cantores de jazz, podem ter consentido em acompanhar determinadas(os) vocalistas. Pior: não poucos deles resolveram cantar - sem ter a menor noção de como fazê-lo.

Não se pode negar que existiram inúmeros músicos da mais alta competência técnica na fusion, principalmente nos anos 70 (alguns dos quais ainda bastante ativos). Além daqueles citados acima, que tocaram com Miles, podemos citar ainda o guitarrista Pat Metheny, o violinista Jean-Luc Ponty, o baterista Billy Cobham, o tecladista George Duke, os baixistas Jaco Pastorius e Stanley Clarke, para ficar apenas nos mais conhecidos. Também é justo admitir que certos conjuntos eram verdadeiras máquinas instrumentais, em termos de energia, entrosamento e sofisticação. Porém essa qualidade técnica raramente veio acompanhada de profundidade e coerência propriamente jazzísticas.

Já nos anos 80 é difícil evitar o diagnóstico segundo o qual a fusion entrou de vez em uma “fase degenerativa”. Grupos como Spyro Gyra e Yellowjackets transformaram-se em porta-vozes de um tipo de pseudo-jazz, onde se faz uso farto de clichês, tanto melódicos como harmônicos e rítmicos. Enquanto isso, a Elektric Band de Chick Corea ainda procurava fazer uma música com muitos watts mas com alguma substância musical, embora já longe do jazz. (Curiosamente, Corea sempre levou uma espécie de “vida dupla”, com um pé na fusion e outro no mainstream.) A retomada, nessa mesma década, do hard bop, do mainstream e do som acústico pelos chamados “young lions” capitaneados por Wynton Marsalis, reduziu apreciavelmente o espaço da fusion. Nos anos 90, a fusion se reacomodou dentro de um espaço mais reduzido do que desfrutava nos anos 70, e voltou suas antenas na direção do rap e do hip-hop. Representantes modernos incluem os DJs do acid jazz e grupos como o trio Medeski, Martin & Wood.

A conclusão a que se chega, após uma análise do jazz-rock em termos musicais, é que as primeiras obras de jazz-rock que possuem validade enquanto jazz são também as últimas, a saber, as gravações de Miles na virada dos anos 60 para os 70. Depois disso, com o advento da fusion, temos uma fase em que se fez música de qualidade mas que foi perdendo a identidade jazzística e, mais tarde, uma fase em que a própria qualidade musical sofreu uma queda pronunciada.

Certamente, levantar questões é algo em princípio muito salutar. Porém o fato é que as perguntas colocadas pelo jazz-rock em suas origens acabaram se avolumando e se transformando em verdadeiros dilemas para o jazz fusion - dilemas dos quais ele não conseguiu sair, nem tampouco dar-lhes uma resposta satisfatória. Sentimo-nos tentados a imaginar no que se transformaria o jazz-rock se houvesse seguido uma trajetória mais eqüidistante dos dois gêneros que lhe deram origem, ou então se tivesse trilhado um caminho mais próximo do jazz. Mas a vida e a história não se dão no modo subjuntivo...

(V.A. Bezerra, 2001)


Latin Jazz

Latin Jazz é o nome pelo qual é conhecida a fusão entre o jazz e a música afro-cubana. Essa fusão pode ter suas origens rastreadas até o trompetista e arranjador Mario Bauza. Bauza apresentou Dizzy Gillespie ao percussionista Chano Pozo - o que deu origem a uma famosa parceria entre estes dois no período 1947-1948 - e também incentivou o conhecido bandleader Machito a usar solistas de jazz em suas performances. O bandelader Stan Kenton e o baterista Gene Krupa também introduziram elementos caribenhos no jazz, o que viria a se tornar decididamente uma moda com a ascensão das orquestras de Tito Puente, mais tradicional, e Carl Tjader, mais jazzística, nos anos 50. O Latin Jazz e a música dita "latina" chegaram a ser dos gêneros mais populares naquela época. Em tempos mais recentes, o Latin Jazz adquiriu contornos mais elaborados, deixando de se basear apenas no exotismo e nos ritmos dançantes, para incorporar também elementos do jazz mais avançado. Hoje encontramos nesse estilo grandes virtuoses, como os pianistas Gonzalo Rubalcaba e Chucho Valdés, o saxofonista e clarinetista Paquito D'Rivera e o trompetista Arturo Sandoval, que possuem um discurso musical sofisticado e por vezes até francamente cerebral, sem no entanto deixar e ser vigoroso e contagiante. Os três últimos participaram do grupo Irakere, uma super big band afro-cubana formada em 1973, pela qual passou quase toda a intelligentsia desse estilo musical.

Um rótulo como “jazz afro-cubano” já é um tanto enganoso, uma vez que esconde sob um único termo toda a diversidade musical daquela região do globo. Um rótulo como “jazz latino”, então, é ainda mais genérico e menos informativo. Não obstante, os rótulos parecem ser inevitáveis na mídia e na crítica, e só nos resta resignarmo-nos a usá-los, ainda que seja apenas para facilitar a comunicação. O Latin Jazz hoje não deixa nada a dever - seja em termos de elaboração, de técnica ou de criatividade - às correntes mais avançadas e dinâmicas do jazz moderno.

(V.A. Bezerra, 2001)


Third Stream

A Third Stream ("terceira corrente") procura realizar uma fusão entre o jazz e a música erudita ocidental. O nome, utilizado pela primeira vez pelo compositor Gunther Schuller em 1957, em uma conferência na Brandeis University, sugere a idéia de canalizar duas das correntes preexistentes - a música clássica e o jazz - em uma “terceira” corrente, que reuniria características de ambas. Um exame das composições existentes de Third Stream indica que a tentativa de fusão geralmente se dá sob uma das seguintes formas:

(1) Obras em forma de concerto grosso barroco, isto é, alternando a orquestra clássica, que toca partes compostas, com o grupo de jazz, que executa partes improvisadas. Nesse caso temos mais uma justaposição do que propriamente uma aglutinação de linguagens.

(2) Peças em que músicos de jazz são acompanhados por conjuntos de cordas, que executam um acompanhamento geralmente bastante convencional. Charlie Parker gravou nesse formato, bem como inúmeras cantoras e cantores de jazz. Também neste caso temos uma superposição de linguagens, porém sem verdadeira integração. (Os críticos geralmente consideram que a adição de cordas tem um efeito letal sobre as características verdadeiramente jazzísticas da música, tornando-a adocicada e comercial.)

(3) Peças escritas para conjuntos clássicos, mas que tomam emprestados elementos característicos do jazz, como o swing, ocasionalmente comportando partes improvisadas. Nesta categoria se incluem, por exemplo, as composições orquestrais de George Gershwin como Rhapsody in Blue, Um Americano em Paris e Porgy and Bess, bem como as peças de câmara do compositor Claude Bolling.

(4) Peças compostas para grupos de jazz que se apropriam de técnicas de composição como o contraponto, formas estruturadas (como, por exemplo, a suíte barroca e a sonata), mudanças de compasso e politonalidade. Este seria o caso do quarteto de Dave Brubeck, de algumas composições de Duke Ellington e Charles Mingus e, acima de tudo, do célebre Modern Jazz Quartet liderado por John Lewis.

(5) Peças em que as duas linguagens - clássica e jazzística - se acham integradas de modo orgânico, tanto ao nível da técnica composicional, como na instrumentação e na técnica instrumental. Os elementos jazzísticos e clássicos se acham em equilíbrio. As composições e os arranjos de Gil Evans e George Russell são representativos desta tendência.

O crescimento da Third Stream nos anos 50 fez alguns críticos predizerem que o futuro do jazz estaria nessa fusão com a música clássica. Porém o surgimento de dois novos e vigorosos estilos de jazz contribuiu para frear essa expansão. Primeiro, veio o free jazz dos anos 60, mais espontâneo e comunicativo do que a geralmente austera Third Stream, e que agradou a um público maior (ainda que não em grande escala). Em seguida, veio a fusion dos anos 70, indiscutivelmente dotada de potencial comercial muito maior. Não obstante, continuou a haver experimentos válidos em Third Stream nas últimas décadas, produzindo resultados interessantes a uma taxa reduzida porém constante. Por isso, essa vertente não pode ser considerada esgotada.

(V.A. Bezerra, 2001)


Jazz Brasileiro

Hoje certamente se pode falar em um Jazz Brasileiro, e com iniciais maiúsculas. Constatar a sua existência não é problema. Já defini-lo é algo bem mais difícil.

O rótulo, colocado assim, sem mais, é certamente vago. Será possível torná-lo mais preciso? E de que forma? Uma primeira maneira possível de delimitar o que se entende por "Jazz Brasileiro" seria dizer que ele consiste simplesmente no jazz norte-americano - desde o New Orleans e o Dixieland até o Hardbop, digamos - praticado por músicos brasileiros. Seria brasileiro porque tocado com "sotaque" brasileiro. Essa definição não estaria propriamente errada, porém é demasiado restritiva, deixa muita coisa de fora. Outra maneira seria dizer que o Jazz Brasileiro equivale à Música Instrumental Brasileira Contemporânea, praticada pricipalmente por grupos instrumentais concentrados no eixo São Paulo - Rio de Janeiro - Minas Gerais a partir dos anos 70. Ainda outro caminho seria definir o jazz brasileiro como uma música improvisada segundo uma sintaxe jazzística mas com inflexão e ritmos brasileiros (o que equivaleria, na prática, a uma fusão entre o jazz e a MIBC). Mas neste ponto alguém poderia observar, com justiça, que haveria que se levar em consideração também o chorinho, na medida em que este é o gênero musical que desempenha dentro da cultura musical brasileira o papel análogo ao jazz na cultura norte-americana. E assim por diante: cada tentativa de definição se revela, não falsa, mas incompleta, demasiado restritiva.

Uma coisa é certa: aquilo que percebemos como Jazz Brasileiro não pode ser reduzido a apenas uma dessas linhas estéticas. Também parece improvável que ele possa ser definido como algum tipo de "combinação" desses gêneros em certas proporções relativas. Portanto, quando falamos aqui em Jazz Brasileiro, não estamos falando de um estilo fechado e definido, mas sim plural e mutável.

Provavelmente uma das razões da dificuldade em definir o Jazz Brasileiro reside na riqueza extraordinária da matriz rítmica brasileira. O território brasileiro pulsa de norte a sul numa miríade de ritmos diferentes. Para mencionar apenas alguns, não necessariamente em ordem de importância: o frevo, o maracatu, o maxixe, o xote, o baião, o coco, o martelo, a embolada, a moda, o samba, a bossa nova, a seresta, a rancheira, o batuque. Em outras palavras, poderíamos dizer que não temos um swing apenas, temos muitos.

Uma vez que o Jazz Brasileiro está na intersecção de múltiplas influências, segue-se que podemos procurar as suas origens também em várias direções. Podemos buscar essas origens remontando a Pixinguinha e aos antigos chorões. Ou então podemos voltar até as orquestras de bailes, na época da Segunda Guerra. Ou podemos nos limitar a recuar até uma época mais recente, a do surgimento da bossa nova - que, embora não fosse exclusivamente instrumental, colocou uma nova linguagem harmônica que seria absorvida por muitos instrumentistas. Podemos ainda, finalmente, nos reportar a grupos inovadores e com uma linguagem mais moderna, como o Quarteto Novo.

A pergunta, porém, continua de pé: o que será que une músicos tão díspares como o pianista, regente e arranjador Nelson Ayres, os saxofonistas Mané Silveira, Teco Cardoso e Victor Assis Brasil, o trombonista Raul de Souza, os compositores e multi-instrumentistas Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal, a pianista Eliane Elias, os guitarristas e violonistas Heraldo do Monte, Paulo Belinatti e Laurindo Almeida, os percussionistas Naná Vasconcelos, Dom Um Romão, Guelo e Paulinho da Costa, os bandleaders Severino Araújo e Silvio Mazucca, o arranjador Cyro Pereira? Sabemos de antemão que eles possuem estilos individuais muito diferentes entre si. Com que direito, então, os agrupamos sob um mesmo rótulo?

Talvez a solução não esteja numa definição estilística fechada, mas sim na existência de um certo fator, uma certa "brasilidade", para cuja caracterização precisaríamos contar com os préstimos, não de um musicólogo, mas sim de um antropólogo ou sociólogo... Porém esse caminho, embora seja interessante em si mesmo, não se revela de grande valia para o caso presente, porque não temos como realizar aqui uma análise antropológica desse tipo. Enfim, no que diz respeito à caracterização de um Jazz Brasileiro, já se vê que estamos diante de uma tarefa difícil, mais difícil do que caracterizar qualquer um dos estilos "canônicos" do jazz norte-americano.

Por todas essas dificuldades, vamos optar aqui por utilizar uma noção informal e dinâmica de Jazz Brasileiro, que emerge mais das relações de semelhança entre músicos do que de uma definição precisa. Essa teia de vínculos se constrói pouco a pouco com base em cadeias de influência, essas sim algo que somos capazes de mapear. Assim, por exemplo, podemos partir de um nome como Hermeto Pascoal... que colaborou em diversas ocasiões com Heraldo do Monte... violonista e guitarrista como Paulo Belinatti... que tocou e compôs no grupo Pau-Brasil... no qual tocou também Rodolfo Stroeter... que fez parte do importante grupo de vanguarda Grupo Um... onde tocou também Teco Cardoso... virtuose dos sopros como Carlos Malta... que pesquisou ritmos do interior do Brasil como Paulo Freire... que faz parte da Orquestra Popular de Câmara... e assim por diante. Infinitos outros trajetos semelhantes a esse são possíveis. Assim, o conceito de Jazz Brasileiro emerge, ainda que aos poucos e de maneira inevitavelmente imprecisa, da teia de relações entre diferentes artistas. Não é um conceito fechado, mas aberto.

Se pensarmos bem, um fenômeno parecido já ocorria com certos tipos de jazz de fronteira, como o free e o fusion. Certos artistas e obras desses estilos são tão diferentes daquilo que tradicionalmente se entende por "jazz" que, para inclui-los dentro do jazz, somente se operarmos por similaridades e inter-relações, como fizemos aqui.

É possível avançar mais um pouco na caracterização do Jazz Brasileiro destacando alguns dos traços característicos dessa música. O primeiro diz respeito à formação instrumental. Como se sabe, a música brasileira tem uma boa e sólida tradição instrumental nos sopros (principalmente metais), e também no piano, violão e percussão. Menor é a tradição de instrumentos de arco, por exemplo (e conseqüentemente de orquestras sinfônicas, que têm nas cordas a sua espinha dorsal). Isso condiciona, de certo modo, os efetivos instrumentais que são empregados na música brasileira.

No plano estético, uma característica interessante seria uma certa concisão, uma economia de meios - a despeito da imagem tradicional do Brasil como um país exuberante, excessivo, festivo e carnavalesco. Podemos observar que, ao contrário dessa imagem estereotipada, muitas manifestações musicais se destacam por melodias breves, secas, cortantes, claramente desenhadas; harmonias áridas e ásperas; ritmos simples e poderosos; cantorias a capella desérticas e hieráticas. Isso se observa tanto na música vinda da caatinga, como naquela do cerrado, como na do pantanal. Mesmo o samba, este produto de exportação hoje já devidamente industrializado, é tradicionalmente considerado como sendo da melhor fatura quanto mais econômico e sucinto, tanto nos versos como na melodia. Para dar outro exemplo, a bossa nova consagrou a compressão da informação, em canções breves, com versos altamente poéticos, emoldurados por poucos e sofisticados acordes. Menciono essas raízes para sugerir que o rebarbativo, o ornamentado e o prolixo não são típicos da música brasileira.

Em particular, poucas coisas são mais estranhas à música brasileira do que os acompanhamentos adocicados e filigranados, hoje em dia onipresentes na música pop, executados com cordas - ou, mais recentemente, com sintetizadores. Tampouco é característico da tradição brasileira, por exemplo, o uso das pomposas, rebrilhantes e coreografadas bandas marciais, tão populares na América do Norte: nossas retretas são diferentes. Outros exemplos são possíveis: dificilmente surgiria aqui uma música como a de Richard Wagner, por exemplo. Até o barroco mineiro é econômico! Neste ponto, talvez ocorra a alguém mencionar, como contra-exemplo, a figura de um compositor caudaloso como Heitor Villa-Lobos. Porém é importante notar que mesmo Villa mantém permanentemente a simplicidade como um pólo ativo na criação musical, opondo-se ao outro pólo, o da complexidade. Isso quando ele não gera, magistralmente, a abundância a partir da simplicidade, como faz em tantas passagens.

Dizia Ezra Pound que poesia = concisão. É essa equação que talvez explique o caráter "poético" da música brasileira. Voltando os nossos ouvidos para o Jazz Brasileiro, percebemos que essa "escola da concisão" produziu frutos. O foco da música é geralmente bem definido. O fraseado é incisivo. Os acompanhamentos são econômicos. A harmonia é concentrada, porém de grande efeito. Mesmo o humor e a decantada "brejeirice" brasileira, que não deixam de dar as caras, são obtidos de maneira "esperta", sempre ligando A e B pelo caminho mais curto possível: quem piscar, perde a gag.

Dos anos 80 do século XX para cá, pudemos presenciar uma considerável valorização do Jazz Brasileiro, embora o destaque dado pela mídia àqueles artistas ainda esteja aquém do que seria desejável. Mas tem crescido no público e na imprensa a percepção de que os músicos brasileiros foram e são capazes de criar uma música elaborada, coerente, tecnicamente bem realizada, que sem dúvida pode se equiparar ao que de melhor o jazz norte-americano já produziu. E com uma qualidade adicional: trata-se de uma música vital, que traduz as melhores características da civilização brasileira. Na medida em que acreditamos que existe algo na brasilidade que é de algum modo relevante para o restante do mundo, e para a humanidade como um todo, o Jazz Brasileiro é um canal aberto para a difusão dessa coisa boa que trazemos dentro de nós.

(V.A. Bezerra, 2001)